Texto que está em tramitação na Câmara dos Vereadores se apoia no conceito de cidade compacta e induz a mudança no eixo de adensamento da capital
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Técnicos da Prefeitura que ajudaram a produzir a revisão do Plano Diretor | Foto: Fernando Leite
Há 13 anos, Goiânia ganhava a Lei Complementar 171/2007, o Plano Diretor atualmente em vigor. O espírito da legislação, que traça as diretrizes de crescimento e desenvolvimento da capital, era permitir a construção de uma cidade em que os serviços básicos oferecidos aos cidadãos tivessem o menor custo possível para a sociedade. Ou seja: saúde, educação, transporte, segurança e todas as demais demandas fossem do alcance de todos.
Treze anos depois, este é o espírito da revisão, que começou a três anos, em tramitação na Câmara de Vereadores de Goiânia. O principal indutor desse modelo de cidade são os eixos de descolamentos. Para tentar compreender um pouco dessa legislação tão complexa, que tem mais de 2,5 mil páginas entre diagnósticos, mapas, atas de audiências públicas e a minuta de lei propriamente dita, o Jornal Opção recebeu os coordenadores do plano na Prefeitura de Goiânia.
São eles: Marta Horta (Gestão Urbana), Sérgio Wiederhecker, (Mobilidade, Acessibilidade e Transporte), Janamaína Azevedo (Operacional), Ariel Silveira (Desenvolvimento Humano), Zilma P. Campos Peixoto (superintendente de Planejamento Urbano e coordenadora operacional), Germana de Faria Arantes Andrade (Ordenamento Territorial).
Wiederhecker é quem resume a ideia central da revisão do Plano Diretor que está em discussão entre os vereadores: “O modelo espacial [adotado] é de uma cidade mista adensada ao longo dos eixos de descolamentos, onde a maioria dos serviços está nos eixos de transporte”.
Esse modelo pretende, por exemplo, que os vazios urbanos existentes em Goiânia sejam ocupados antes do lançamento de novos loteamentos. Assim, casos como o do Jardim Primavera, criado nos anos 1990 quase na divisa com Goianira, onde era a Fazenda São Domingos, não ocorreriam novamente.
Na época, havia uma imensa área não habitada separando o bairro do restante da região noroeste de Goiânia – o que ainda não foi completamente mudado até hoje. Esse tipo de ocupação isola as populações e encarem enormemente a chegada de infraestrutura básica, como asfalto, energia elétrica e saneamento básico.
O Plano Diretor de 2007 já buscava evitar que situações assim se repetissem. Para o novo plano, a pretensão dos técnicos é que o modelo espacial se consolide. Germana de Faria Arantes conceitua: “Trabalhamos uma cidade compactada”. “Quando os equipamentos urbanos estão mais próximos, é mais fácil atender [o cidadão]”, completa Zilda Campos Peixoto.
“O conceito de cidade espraiada tem um custo alto e, por estimular o uso intenso do automóvel, também tem mais poluição”, afirma Wiederhecker. Esse conceito foi amplamente usado até o final dos anos 1990 e provocou o surgimento de vazios urbanos ao mesmo tempo em que houve adensamento exagerado em outras regiões. O uso racional do território, por outro lado, tem impacto positivo em todos os aspectos urbanos. Além de diminuir a necessidade de descolamento, há também uma ocupação equilibrada das terras, favorecendo a drenagem, por exemplo.
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Marta Horta, coordenadora do eixo Gestão Urbana | Foto: Fernando Leite
Durante a elaboração da proposta, que começou em 2017 (a partir de quando, segundo o Estatuto da Cidade, o Plano Diretor deveria ser revisto), os técnicos da Prefeitura de Goiânia levaram em conta a interseção com os demais municípios que fazem parte da Região Metropolitana, ainda que respeitada a autonomia de cada um dele. Questões como a política de resíduos e mobilidade são de interesse comum em toda a região.
Ainda que seja uma lei de fundamental importância para todos os cidadãos, é importante esclarecer que o Plano Diretor não é uma lei impositiva, exceto em alguns pontos. Ele, na verdade, é uma lei de diretrizes e planejamento. É um texto de metas, mas que cabe a cada gestou definir as políticas públicas que vai adotar efetivamente.
Em uma analogia, ele esboça a cidade que se almeja. Mas cabe a cada prefeito como esse esboço sairá do papel.
Abaixo, o Jornal explica resumidamente alguns dos pontos principais do texto que foi enviado pela Prefeitura de Goiânia à Câmara – ressaltando que ele pode ser modificado pelos vereadores.
Ordenamento Territorial
Este é um dos poucos pontos em que o Plano Diretor é impositivo e é ele que determina como deve ser o uso e a ocupação do solo em Goiânia. A parte mais polêmica é a que trata da expansão urbana (ou seja, a mudança de status de zonas rurais para que possam ser usadas para atividades eminentemente urbanas).
Os técnicos da Prefeitura, inclusive, não utilizam esse termo. Eles preferem tratar de ampliação do perímetro urbano – o que, segundo eles, não é apenas uma questão de semântica.
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Germana Arantes, coordenadora do eixo Ordenamento Territorial | Foto: Fernando Leite
Atualmente, o território de Goiânia é composto por 39% de áreas rurais e 61% de áreas urbanas. A revisão do Plano Diretor inclui mais 17 hectares à macrozona urbana, o que significa uma ampliação de 3,8%. De acordo com a coordenadora de Ordenamento Territorial, Germana de Faria Arantes, as inclusões alcançam, basicamente, a regularização de áreas já loteadas (completa ou parcialmente), a definição de área de interesse ambiental e de áreas de desenvolvimento econômico.
Também há casos de áreas que já constavam da zona urbana, mas que estavam separadas dessa por uma área de zona rural. Nesses, optou-se por permitir a continuidade das áreas.
Foram destinadas duas áreas para polos de desenvolvimento. Uma, na região do Jardim do Cerrado, na saída para Trindade, às margens da GO-060 (a Rodovia dos Romeiros). A outra, na região leste, ao lado do bairro Irisville. Apesar de a destinação, segundo o texto enviado pela Prefeitura, seja para um polo econômico, que pode ser utilizado por empreendimentos comerciais, escritórios, etc, nada impede que uma lei específica seja aprovada posteriormente na Câmara para permitir loteamentos, por exemplo.
Na divisa com Abadia de Goiás, foi criada uma área especial de interesse ambiental – que pode ser ocupada, mas com regras específicas. Foram incluídas na zona urbana áreas na região do Sítio de Recreio Bandeirantes, Residencial Ipê, Fazenda São Domingos, Residencial Português, Elza Fronza e Parque dos Cisnes.
Todas essas áreas são particulares e os próprios donos é que entraram com pedido na Prefeitura para inclusão na zona urbana. Segundo os técnicos da Prefeitura, de 108 processos do tipo, 21 foram deferidos.
Além da ampliação do perímetro urbano, o eixo Ordenamento Territorial modifica os parâmetros atuais de adensamentos. A classificação é de áreas de adensamento, desaceleração, adensamento básico, ocupação sustentável e área de proteção cultural.
Bairros já quase saturados terão a ocupação limitada. Parte do Setor Bueno (próximo ao cruzamento da T-63 com a T-4), do Setor Oeste (entre a Avenida Anhanguera e a Assis Chateaubriand) e parte do Jardim Goiás serão áreas de desaceleração. Alto da Glória, Vila Maria José e Vila São João terão o adensamento básico, que é o mais restrito, com uma proporção média de um morador para cada 90 metros quadrados.
Isso significa que não haverá proibição de construção de prédios, mas eles ficarão mais caros para os empreendedores. O desestímulo econômico visa impedir superadensamentos, como já ocorreu em parte do Bueno e do Jardim Goiás, na orla do Parque Flamboyant.
Eixo Mobilidade, Acessibilidade e Transporte
Em 2007, o Plano Diretor buscou orientar a ocupação urbana de Goiânia ao longo dos corredores de transporte. A ideia é que o cidadão tenha acesso fácil à moradia, atividades econômicas e serviços públicos. Foram projetados sete corredores exclusivos para ônibus e 11 preferenciais. Parte deles não foi concretizada. Atualmente Goiânia tem apenas um corredor exclusivo (o Eixo Anhanguera) e outro em execução (o Eixo Norte-Sul).
Na revisão, estão projetados 12 corredores exclusivos (Avenida 85, Avenida T-63, Avenida T-7, Campus UFG, entre outros), 15 corredores preferenciais (GO-070, Segunda Radial e Castelo Branco, entre outros) e sete corredores estratégicos (Marginal Cascavel, T-8, entre outros). Ao longo desses eixos, estão planejados oito bicicletários. A ideia é complementar os modais de transporte. “O transporte público, para ser atrativo, tem de ser eficiente e veloz”, lembra Sérgio Wiederhecker, coordenador do eixo.
Desenvolvimento Humano
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Ariel Silveira, coordenador do eixo Desenvolvimento Humano | Foto: Fernando Leite
A maior novidade incluída nesse eixo é a cota solidária. Consiste na destinação, de 5% das áreas comercializáveis de todo novo parcelamento para moradia de interesse social. Ou seja, em um loteamento com 100 lotes, 5 devem ir para os programas habitacionais da Prefeitura.
Não entram nessa conta áreas não comercializáveis, como praças e lotes destinados a escolas, por exemplo. O empreendedor pode optar por doar área equivalente na mesma região do município. Os beneficiários seriam pessoas já cadastradas na Prefeitura.
O coordenador do eixo, Ariel Silveira, explica que há uma mudança na concepção de equipamentos públicos. Ao invés de grandes escolas e hospitais, pequenos equipamentos urbanos que atendem um público localizado.
Desenvolvimento econômico
Esse eixo traz algumas inovações importantes. Uma delas, a mudança no tipo de atividade permitida nas áreas de ocupação sustentável, que passam do grau de incomodidade 1 para a 3. Assim, atividades como salões de beleza e até mercearia podem ser instaladas nessas áreas, que funcionam como uma espécie de zona de transição entre as áreas de proteção permanente e a zona urbana.
A exigência será o respeito a critérios como índice de permeabilização e tratamento acústico, entre outros. Muitas dessas áreas já são ocupadas por essas atividades e o que se busca é regularizá-las, mediante o cumprimento de exigências.
A revisão prevê o fim da exigência de vagas de estacionamento para empreendimentos com até 180 metros quadrados de área ocupada – respeitando-se os corredores de transporte. Atualmente, a legislação requer uma vaga de estacionamento para cada 60 metros construídos. “Assim, além de facilitar para o empreendedor, estimula-se o uso de transporte público”, acredita Luciano Gomes, coordenador do eixo.
O Plano Diretor também estimulará o uso misto de edifícios, com benefícios na outorga onerosa das chamadas “fachadas ativas”, que são atividades econômicas no piso inferior de prédios residenciais. Novamente, a intenção é que o morador tenha serviços ao seu alcance, sempre precisar se descolar. No caso do Centro de Goiânia, a outorga poderá ser 100% isenta.
Meio ambiente
A revisão do Plano Diretor ataca um problema recorrente em Goiânia, especialmente nos bairros mais centralizados: a falta de áreas permeáveis, que colabora para os alagamentos. A legislação atual prevê o uso de caixas de infiltração e do índice paisagístico. Assim, para garantir a melhoria da ambiência, pode-se usar plantas em vasos ou telhados verdes.
O novo texto retoma parâmetros mais rigorosos. Cada edificação terá de destinar um porcentual de área permeável. O valor deve ficar entre 10% e 15%.
A revisão determina, ainda, a proibição de rebaixamento definitivo do lençol freático, técnica utilizada na construção de alguns edifícios em Goiânia.
Por Rodrigo Hirose do Jornal Opção
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