Obra de Ronaldo Zaharijs, Edu Menna e Rodrigo Spiga é cheia de clichês, mas é por isso que funciona
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No que diz respeito à sétima arte em exibição na TV brasileira, os anos 1990 foram terra sem lei. No meio da tarde, naqueles televisores de tubo de 20 ou 40 polegadas de imagem ruim, eram exibidos na programação longas-metragens com violência explícita (e imprópria para a maioria dos que podiam assistir), soft porns (para alegria da molecada) e, claro, filmes de terror de qualidades duvidosas, o conhecidos trash — que, de tão ruins, eram bons.
Na HQ “137”, de Ronaldo Zaharijs (roteirista) e Edu Menna (artista), temos um exemplo de filme trash, ou melhor, quadrinhos trash. A obra emula um dos clássicos do cinema de terror B, Viagem Maldita (1977 e 2006), mas em terras goianas. Saem de cena os canibais primitivos, entram os mutantes caipiras radioativos. Em vez de uma base isolada da Força Aérea dos Estados Unidos, o ambiente é a cidade de Abadia de Goiás, depósito do césio-137, cuja tragédia levou 112 mil pessoas a serem examinadas na época do fato, com 249 com algum tipo de contaminação e quatro que morreram, completou 31 anos em 2018.
Mas, apesar da HQ se chamar “137”, não tem nada de autobiográfico relacionado ao césio e o elemento radioativo só é citado uma vez, relacionado a possível causa da mutação dos caipiras comedores de gente. E está tudo certo, porque o intuito aqui não era recontar a tragédia, mas fazer um trash em quadrinhos.
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Ronaldo Zaharijs, roteirista | Foto: Reprodução
Estereótipos
Tudo é clichê em 137. Tudo já foi feito. São seis amigos adolescentes que vão a Abadia de Goiás, local do depósito do césio-137, para passar um fim de semana de farra em uma cabana, mas tudo dá errado, quando o “mau” chega. Você já viu alguma história desse tipo, tenho certeza.
Além disso, os personagens são o mais caricaturados possíveis. Tem a patricinha, o playboy fortão, o virgem, o drogado, a deslocada e a inocente. O grupo, mais heterogêneo impossível, nunca seria formado por amigos — talvez metade, no máximo.
A história é curta. 42 páginas, no formato A4, em preto e branco. Ronaldo brinca com clichês, mas apresenta também a visão estereotipada que as pessoas de outros Estados, em sua infância, tinham sobre aqueles que foram contaminados, como eram vistos com certo preconceito. O subtexto é sutil, mas é possível interpretar.
É preciso ter em mente todo o clima de filme daquela época, que o autor quis emular. Estamos nos anos 1980 e a coisa é machista, mas, como o próprio autor já disse, faz parte da proposta.
História
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Edu Menna |
A história, como dito, começa com um grupo de jovens amigos que viaja rumo a uma cabana de Abadia de Goiás para um fim de semana de farra. O que era para ser diversão, vira terror quando um grito de uma das personagens ecoa pela casa e chama atenção do grupo. O que parecia ser só um tarado, visto ao longe pela janela, logo em seguida se revela um mutante caipira radioativo.
Durante uma luta com o grupo, a primeira vítima. Apesar disso, o fortão da turma, “herói de filmes de ação”, como descrito, também consegue derrubar o malformado ser humano — provavelmente deformado pelo césio-137.
Dali pra frente o retorno aos clichês chega forte, com o grupo se separando, novas vítimas, sequestros e um final de reviravolta, que fica deixa um bom gancho e que pode ser tanto engraçado, como revoltante — vai depender da sensibilidade do leitor e da capacidade de entender [e aceitar] a proposta.
Arte
A arte é do competente quadrinista Edu Menna, que ilustra para editora dos Estados Unidos, Dynamite. Ele foi chamado de última hora e teve que “parir” as páginas em cerca de um mês (um verdadeiro milagre), pois o desenhista original, Rodrigo Spiga, teve um problema na mão e precisou deixar o projeto.
Sem desmerecer a arte de Menna, que é um grande profissional, em especial para o padrão dos EUA, foi uma infelicidade: a arte de Spiga foi totalmente pensada para o roteiro e o artista carrega um traço cheio de personalidade, sendo uma das grandes revelações do quadrinho nacional. Essa turma toda é daqui de Goiânia, viu?
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Rodrigo Spiga: revelação do quadrinho patropi | Foto: Reprodução
Mas, ainda sobre Rodrigo, sua arte pode ser vista na capa e contracapa e nos extras da história. É um deleite.
No mais, quem achou interessante, curioso, ou divertido pode buscar o título na Mandrake Comic Shop. A HQ, viabilizada por Lei de Incentivo a Cultura de Goiânia, sai por R$ 20.
Por Francisco Costa do Jornal Opção
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