O projeto teve como público-chave as pessoas pertencentes á Comunidade Quilombola Recanto dos Dourados.
(FOTO: GUSTAVO BURNS) |
Goiânia - Setenta pessoas foram atendidas pela Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) na primeira edição do projeto Escuta Quilombo, ocorrida no sábado (4/12). Realizado em Abadia de Goiás, o projeto teve como público-chave as pessoas pertencentes à comunidade quilombola Recantos Dourados. A equipe da DPE-GO também visitou algumas residências, em conjunto com os defensores públicos federais Cláudio Luiz dos Santos e Carlos Eduardo Paz, a fim de dialogar e conhecer a realidade dessa comunidade in loco.
O coordenador do Grupo de Trabalho pela Igualdade Racial da DPE-GO, defensor público Salomão Rodrigues da Silva Neto, avaliou positivamente a possibilidade de aproximação com as comunidades quilombolas goianas, especificamente com a dos Recantos Dourados, em Abadia de Goiás.
“Essa primeira etapa do projeto Escuta Quilombo é o contato inicial com as comunidades quilombolas, com as lideranças locais e com o poder público também, no sentido de aproximar as comunidades quilombolas da rede de atendimento do poder público em relação a efetivação dos seus direitos fundamentais, que muitas vezes os quilombolas desconhecem em razão da omissão estatal histórica”, argumenta.
As principais demandas recebidas no atendimento individualizado foram relativas à efetivação do direito básico à cidadania. Muitas pessoas não possuíam documentação pessoal ou necessitavam de retificação de seus registros por informações incorretas.
Esse foi o caso da família de dona Maria Rosa da Silva, 65 anos. Mãe de sete filhos, teve dois deles registrados de forma incorreta. “Eu tinha não tinha muita leitura, né, era analfabeta, e não percebi”, explica. Na Certidão de Nascimento de Maria Helena da Silva, 47 anos, e Divino Eterno Honório, 44 anos, a grafia de seu nome foi escrita de forma equivocada como Rosa Maria.
A família chegou a buscar um cartório há alguns anos para tentar corrigir o problema, mas foram informados dos altos custos e da necessidade de uma ação judicial. Sem recursos, eles decidiram aguardar e tentar posteriormente.
Maria Helena comenta que durante toda a vida ao preencher cadastros ou informar seus dados era obrigada a lembrar o nome errado da mãe, além disso o novo documento representará o reconhecimento de sua filiação. “Vai ser muito importante porque perante a justiça nós não somos filhos dela, e os outros irmãos sim. Então, vai ficar mais fácil com essa regularização. Eu sempre tive vontade de regularizar e nunca tive oportunidade”, expõe.
Demandas
O defensor público Salomão Neto informa que demandas especificamente coletivas também foram vislumbradas nesse primeiro diálogo com a comunidade, por exemplo, em relação ao direito à saúde da população negra, de efetivação da educação quilombola e do direito ao esporte, mais especificamente a capoeira.
São direitos previstos no Estatuto da Igualdade Racial e em outros atos normativos e que demandam um trabalho a ser realizado a longo prazo, em especial com o aprofundamento do diálogo com o Poder Público e da efetivação de políticas públicas adequadas.
A participação e parceria da Defensoria Pública da União (DPU) no projeto também permitiu a identificação de demandas relacionadas à titulação do território quilombola. Alguns integrantes da comunidade, principalmente a Dona Eli Quilombola, que é uma liderança local, ainda possuíam dúvidas relativas ao referido direito consagrado constitucionalmente.
Delimitação
A comunidade Recantos Dourados é certificada pela Fundação Palmares, mas ainda não houve a finalização e publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), etapa obrigatória do processo de titulação das terras quilombolas. “Então, essa presença da Defensoria Pública da União foi muito importante porque educou em direitos a comunidade e fortaleceu a necessidade de novos encontros para que essa comunidade tenha seu território efetivamente delimitado”, pontua Salomão Neto.
Maria Elizângela Antunes Pereira (conhecida como Eli Quilombola), presidente da Remanescência Quilombola em Abadia de Goiás, destaca a relevância da ação da DPE-GO. "Esse projeto Escuta Quilombo chegou no momento certo, na hora exata. Creio eu que nem antes, nem depois. A necessidade do nosso povo grita, ela ecoa por todos os lados, por todos os cantos, por mais oportunidades e portas abertas como essa."
Ela continua: "Então, essa ação de ter a Defensoria Pública aqui no nosso território, atendendo essa gente que nem sabe de seus direitos, que estão lá escondidas, sofrendo, passando só Deus sabe o que e precisando tanto de ações afirmativas e positivas como essa, e de repente você vê essa oportunidade... você ter ela nos seus seios, no seu ventre, junto com seu povo, com a sua gente que precisa, simplesmente não tenho palavras pra definir".
Orientações jurídicas
Além dos atendimentos individuais referentes a emissão e regularização de documentação pessoal, também foram recebidas demandas e realizadas orientações jurídicas na área de família, como divórcio, pensão alimentícia e inventário. O coordenador do GT pela Igualdade Racial informou que a ausência da DPE-GO na comarca daquele município fez com que a comunidade buscasse o auxílio jurídico de Núcleos de Prática Jurídica de faculdades muitas vezes de outras localidades, o que distancia ainda mais essa população daqueles que defendem seus direitos.
Ademais, o curto espaço de tempo para o atendimento ocorrido no último sábado, em virtude do transporte oferecido pela Prefeitura de Abadia de Goiás (das 8 até cerca de 10h30) demonstrou a necessidade de um novo momento para atender essas pessoas, a fim de trabalhar de modo mais aprofundado seus casos.
Também atuaram nessa etapa do Escuta Quilombo a defensora pública Cecília Dantas Ribeiro, as servidoras Nayla Sena e o servidor João Paulo Siqueira Marques. A equipe de apoio foi composta pelos servidores Diego D’ascheri, Gustavo Paiva, Josué Duarte Fonseca, Fábio Júnior Moreira, Cláudio Correia dos Passos, Vitor Rodrigues Pereira, Claudevir Martins Ferreira e as servidoras Cybelle Barreto e Lívia Amaral.
Fonte: A Redacão
(FOTO: GUSTAVO BURNS)
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